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sábado, 28 de janeiro de 2017

o céu é dos cachorros

Tudo na natureza termina em tragédia e e eu sentia o acontecimento Fatal de tua ida enquanto ouvia meu pai falar "puts" no telefone e eu sabia que você não existia mais. Eu caí em prantos. O carro se locomovia lentamente pelas ruas de Lavras, os muros desgastados como símbolos intuitivos-desgastados do que nós sentíamos. Nunca mais um "bom dia Pitoco" e nunca mais sentir sua língua lambendo o peito dos meus pés e fazendo cócegas em mim

Porém evocações de tua imagem pequena com a língua pra fora não vão morrer. Eu até tentei te desenhar visualmente nas nuvens na viagem à Varginha. As grandes paisagens e montes mineiros se estendendo num rio verde enquanto meu choro era abafado pela voz doce de Ben Gibbard (e de quem mais poderia ser?). E eu até que aguentei bem ouvir o Plans sequencialmente mas óbvio que quando chegou What Sarah Said eu literalmente desabei e nem a sequência do asfalto interminável pode parar aquele momento que, em muito tempo, eu entendi como uma situação verdadeiramente triste

"And I knew that you were truth
I would rather loose
Than to have never lain beside at all"

A primeira memória: você, ainda magrinho e ainda novinho, vindo correndo aparentemente feliz para minha mãe e eu enquanto era ainda cachorro de rua. Um dia depois eu cheguei da escola mais ou menos ao meio-dia e você já estava em nosso quintal. Eu ainda meio bobo e ainda meio tímido e ainda meio temeroso não sabia como agir 

Várias outras memórias que não sei precisar e vários outros momentos que não sei à quem creditar. Mas eu lembro que nós passeávamos muito tempo em certa época conhecendo Santo André. Dois pequeninos não sabendo bem o que estávamos fazendo. Dois pequeninos aparentemente inseparáveis embora às vezes distantes (lembra daquela vez que eu fingi que fugi de casa e fiquei ao seu lado no quarto em que você dormia na parte externa no fundo de nossa casa?

Dissolvem as certezas de memória e resistem ligações afetivas não contra o tempo ou contra a naturalidade inevitável. Dissolve tudo menos um elemento conectivo que tínhamos. Pelo menos da minha parte este elemento resiste contra este mundo mesquinho e pequeno. E, daqui da sala em que eu vi você dormindo na respectiva porta tantas vazas, eu prometo emprestar à honra das tuas lembranças às ruas inclinadas, aos cachorro da rua, aos gramados descampados, a todas as músicas que eu escutar. Até as coisas com relação à ti pararem de ser totalmente dor e se transformarem no carinho e amor originários

Respirar é apenas uma contagem regressiva até sermos obliterados desta existência? Pois quando chegamos ontem dum pequeno passeio você estava na sala de televisão, dormindo próximo à mesa e ao Edu, como você vinha estando nos últimos 13 ou 14 anos. Certa vez a gente assistia Sonhos, do Kurosawa, e você viu um gatinho na tela imensa. Você ficou meio que miando pro gato e foi atrás do suporte da TV ver se havia um gato lá. Nós rimos e estava tudo bem. Estava tudo bem

O relógio conta o tempo que demora na cozinha em que você ficava atrás (especialmente da minha mãe) das pessoas torcendo para elas te darem um teco da comida. E nos últimos meses você tinha perdido aquele vigor em latir e brincar e preferencialmente se interessava em dormir e comer. Ainda assim tínhamos um tipo de contato em pequenas doses diárias entre meus estudos e minhas escritas e suas cochiladas. Pensando bem, você deve estar feliz porque você amava cochilar e a gente sempre ria quando ouvia teu ronco ecoando mais forte que os sons da televisão

Eu ainda to tentando compreender a magnitude de tudo isso; a magnitude da perda de seus latidos e a magnitude da falta de todo santo dia acordar e você não estar mais lá. Latir se tornou silêncio e eu sei que apenas o silêncio faria jus à tua homenagem. Eu devia me calar sempre e não tentar encontrar estes significados bobos. Eu sei

Cada respiração preciosa que eu desperdicei em ódio e rancor primários. Em nunca atribuir verdadeira vontade e dedicação em algo verdadeiramente construtivo. Eu vinha fazendo isso em pequenas doses, é verdade, mas a dor do impacto da tua ausência que vai me lembrar das coisas importantes. Vou tentar

Meus pais fizeram tudo que podiam. Eles barganharam com o universo. Todas vezes que você ficou mal e nós reparamos sinais de melhora. Desta vez não havia. Os tumores cresciam. O câncer crescia. Um particularmente. Bem perceptível do lado da tua boca, vermelho, acumulando sangue

Eu até pensei na hora porque não minha vida ao invés da tua mas eu sabia que aquilo era bobagem e que as lágrimas descendo pela minha face não diziam nada se não apenas uma dor acumulada em algum lugar desesperada para sair e fechada (talvez para sempre) em um canto que sempre vai se confundir com sua memória e já já com a alquimia do que chamamos tempo vai se transformar em apenas saudade

Mas nenhuma quantidade de dinheiro, drogas ou lágrimas puderam te manter aqui. Você bocejando em sinal de sono, fazendo um barulhinho estranho e todos miravam em tua direção e eu acho que você se sentia feliz pela atenção. Como quando, ainda em Santo André, latia para os carros furiosos que passavam na frente do nosso portão e vinha para a sala todo feliz mostrar para gente que estava nos protegendo

Que propósito serviu seu sofrimento? A gente sabe que não há um Grande-Outro. Eu por negar qualquer merda de entidade divina ou propósito maior e você por apenas se interessar por comida, passear, latir, cócegas embaixo do queixo. Apenas isso bastava e tudo estava bem

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

discórdia dos compassos/ sedução do vazio

por exemplo, embora a proposição ontológica me foi muito convidativa no começo eu percebi a impossibilidade clara de estar-no-evento ou ser qualquer tipo de fenômeno. e é meio que foda porque eu não quero cair num clichê babaca qualquer, mas a palavra desistência sempre teve na minha formulação das coisas um sentido poético. de expressar algo muito mais preciso do que todas minhas elocubrações. eu lembro de estar na beira dum penhasco com os pés balançando no vento enquanto você segurava minha mão e eu meio que senti que podia ser qualquer outra coisa. qualquer outra pessoa. porque o que está dentro é inalienável num sentido monstruosamente restrito. desânimo globalizado. essas coisas

(topologia são ideias auto referentes)

(a discórdia dos compassos metabolizam a sedução do vazio)

(um discurso criteriosamente nulo)

(um poema perspicazmente impotente)

(feito sua mão na minha)

nós estamos ligados à uma matemática simples. elementos reduzidos a acréscimos desacreditados. mesmos assim: a vida passa e sempre passará.

eu escapo do assunto constantemente. eu tento fazer um exercício de linguagem e acabo causando controvérsia interna

(interna porque essa porra só diz respeito a uma questão de uma entidade)

eu determino minhas estruturas depois descubro a verdade através delas. eu me elucubro em monólogos apaixonados sobre resistência, paixão e arte. mera matemática. as próprias meta resenhas minhas não passam de significados internos sofisticadamente e pretensiosamente colocados num local reservado. melhor nem pensar se eu destituí alguém do elemento-estrutura e evidenciei que a obra x alçava uma compreensão corpórea e que só, e somente só, através do corpo a verdade pudesse ser experimentada

a verdade é única e a mente é vã
por isso que raramente a gente encontra coisas no escuro
quem foi que disse que ausência de formas é ausência de interação?
e desde quando interagir com o silêncio passou a ser o maior obstáculo?

 desde que aquela chuva nos surpreendeu e percebemos um plano anulado. e como plano anulado uma programação anulada

programação = algo que um dia foi um relacionamento

de novo a matemática. de novo as coisas que eu tento esquecer. ou formular em algo compreensível; em fazer destes pontos desconexos uma equação.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Absolutamente todos vão embora- pensamentos ouvindo Skeleton Tree, de Nick Cave and the Bad Seeds


Você cai e definitivamente pensa "desta vez é para sempre" sem pensar necessariamente que você nunca propriamente levantou então se estabelece uma simulação de "estar-de-pé" enquanto ao redor todas as coias rodam distantes do teu alcance. Perto do rio sujo e poluído em que você cresceu e que esperava o Gustavo te buscar quando você trabalhava em algo que te fazia bem. E vem à sua mente um monte de imagens objetivamente divertidas e você pinta tua memória com uma nostalgia recente e você lembra da discussão com um amigo online sobre o que é memória. As flores do quintal da tua casa foram arrancadas ontem enquanto você assistia futebol e é meio estranho você gostar mais de futebol hoje em dia do que quando você era criança. Quantas vezes você não andou por Santo André e viu um degradê bonito de fim-de-dia e quis registrar aquilo na câmera do teu celular mas a foto saia bizonhamente estremecida, decrépita- como se desafiasse a estética de todas fotos bonitas. Você chorou uma vez observando o rio poluído levando em sua correnteza toneladas de sujeira rumo a um destino bem distante simbolizado no início do Morro Homero Tom

A marcha (também bizonha) de um monte de aranhas divertidas zoiudas embaixo da mesma árvore onde você chorou sobre um gramado irregular e mal cuidado E lá de baixo parecia que dava para ver por cima da cidade- e eu meio que pensei "nossa e se eu escrever um livro sobre nada" e aí pensei que porra, Balzac já tinha feito isso e aí pensei que porra, não era Balzac não... e aí eu fiquei rindo da minha tolice em rir dessas coisas e as lágrimas secaram até que rápido pois a marcha-fúnebre das micro-aranhas ainda não havia terminado (elas eram tão pequeninhas e caminhavam enfileiradas tão bonitinhas)

Alguns vão e alguns ficam e Santo André permanece a ponto de eu ter me mudado e sempre voltar e sempre lembrar daquelas malditas aranhas engraçadas e do maldito céu em degradê que curiosamente me lembrava uma música da banda carioca Forfun e é espantoso estas associações. Alguns nunca se mudaram e sempre que volto para lá encontro os mesmos vizinhos as mesmas barrigas aposentadas as mesmas cristãs preocupadas em fazer seu bem e eu continuo evitando uma senhora-nada-simpática que fica conversando horas sobre nada e, porra, Flaubert já tinha feito isso (demorou mas lembrei). "nunca deixe estas coisas saírem de você" mas elas saem cada vez mais e eu meio que parei de tentar evitar essas coisas meio que inevitáveis e tento - muito embora pobremente- aceitar este fenômeno como um contínuo-estado-caótico-do-acontecer. O telefone parado ainda está em nossa velha casa ainda se recusando a tocar em meu nome a diferença desta vez é que ele tem se recusado a tocar em nome de todos pois absolutamente todos foram embora (apaga a luz lá fora sempre é hora...)

Gustave Flaubert- fazendo cara de nada (eu sempre quis ter este bigode será se consigo)

Na maioria das vezes eu não sabia por qual rua X eu chegava no lugar Y então eu simplesmente andava ou me afastando ou me aproximando do centro Z então sabe-se lá era meio que tudo na sorte. Uma vez que eu lembrava o caminho era raro eu esquecer e eu lembro que tantas vezes ia à casa de uma amiga pegando o desvio (domingo era dia de feira) e era um caminho relativamente tortuoso mas, raios, eu lembrava deste caminho e não lembrava objetivamente como chegar precisamente no mercado perto-pra-caralho da minha antiga casa em Santo André. Coisas da Memória. Ela tem dessas. Como um rato de laboratório eu fico percorrendo a Cidade porque se parar de percorrer esta extensão fútil vai consumir todas memórias que eu jurei proteger sob o céu-degradê. Minha monstruosa pequena memória devora-me inteiro e eu me sinto num poema ruim de Baudelaire vomitando estilhaços passados para engolir rachaduras deles (que já eram rachaduras de algo) e arranhar um estômago que tem lidado mal com o prolongamento inevitável das ausências

Meu avô costuma dizer do "vento-bom" sentindo a brisa protegê-lo momentaneamente do calor devastador do interior paulista e eu nunca pergunto mas sempre tenho vontade de perguntar que raios seria um vento bom. Este doce mundo é antigo e quanto mais eu penso na possibilidade de sua velhice eu atribuo mais doçura aos seus montes incompletos e aos seus rios poluídos (como se a degradação destes emprestasse uma qualidade humana à perfeita paisagem do horizonte). Os cachorros caminham à noite em Lavras meio que suportando o peso da escuridão noturna porque dá para reparar (também docemente) como quando eles olham para trás para garantir que a noite não está a os perseguir. As flores neste asfalto formado por paralelepípedos (esses de cidade pequena) deixam a parada toda escorregadia e se você não andar com cuidado você patina (acho que os cachorros tem mais medos desta patinação, pensando bem. Quem não tem medo de levar um tombo?)

Baudelaire meia noite e as flores-do-mal, um bom vinho. Aham, um bom vinho...

Quando você está se sentindo apaixonado você desenha no tempo-e-no-espaço umas determinações tuas e projeções tuas também a ponto de que se tudo encaixar em tua projeção você é a pessoa mais feliz do mundo enquanto planeja tudo isso. Nada mais importa- os livros que você nunca vai ter tempo de ler,o emprego dos sonhos que você nunca vai ter, os discos que você nunca vai ouvir e os filmes que nunca vai ler. Nada importa. Eu te vi ali do outro lado da rua naquele sábado à noite com a cidade de São Paulo gritando (como sempre) em buzinas, freadas bruscas e sabe-se lá mais o que. Mas aquele grito urbano era o plano de fundo para o nosso primeiro encontro. Eu lembro que você estava com uma blusa mas vou falhar em lembrar qual (embora chuto que seja a blusa jeans) e que olhou bem antes de atravessar a rua e só depois eu fui reparar realmente como você OLHA de verdade para atravessar a rua. Nada mais importava, nada mais importava porque você estava lá e pensamentos como "um dia você não vai estar mais aqui" nem passam pela minha cabeça, sabe? Acho que é isso que o Juliano Garcia Pessanha define como atingir o "aroma da duração" porque embora eu não saiba precisamente dizer o que é isso é este o ponto que nós estamos, certo? (por favor, me corrija se eu estiver errado. Eu sou todo atrapalhado)

Então deixa eu ir embora, Santo André. Eu prometo me despedir do rio-fedido, dos edifícios altos, da praça-que-não-tem-nada perto de casa, das minhas vizinhas que não dizem nada, do boteco em que eu vejo sempre as mesmas pessoas (com raríssimas exceções). Quando eu for embora eu vou fechar o gás, fechar a torneira da água e tirar todas as tomadas (vai que cai um relâmpago, não é mesmo?). Então as noites assistindo desenhos da televisão-a-cabo ou jogando videogame com meu primo vão todas adentrar apenas no campo da memória e talvez sobrevivam ou não à engrenagem que faz funcionar este motor exotérico que estimula lembranças. Os céus continuam distantes aqui em Lavras (embora os morros sejam muito altos) e a cidade exige demais tipo das suas coxas pois os caminhos da cidade são formados basicamente de sobes-e-desces e eu acho que não tem nenhuma rua minimamente reta por aqui. Para ver o sol nascer eu tenho que ir para outro lugar pois a elevação das distantes casinhas na colina (também elevada, obviamente) interrompem sua luz e quando eu realmente vejo o sol daqui de casa ele já tá lá bonitão sozinho e reinante num céu desanuviado jogando a sensação térmica lá pra cima

Seu sacana...

Domingo de manhã. Gramado cortado. O sol está a nordeste. Num raio de 45 graus. Mas não dá pra ver ele. Ele está escondido atrás de uma casa de telhado triangular. Na frente desta, tem um porção de pedrinhas-que-pedreiros-usam-na construção. Aí, por causa delas, eu me lembrei das pequenas aranhas sob a árvore de Santo André. Mas as pedrinhas não marcham. Não. elas permanecem imóveis. Indiferentes à movimentação do sol. Indiferentes a mim. Ah, quem dera eu pudesse selecionar o que lembrar; aquele fim-de-ano em Angra dos Reis, meu primeiro encontro com a J, o Corinthians ganhando a libertadores (ao lado do meu pai, no estádio) e não lembrar nem fodendo de olhos chorosos, de palavras fortes e hostis. E tudo isso que a gente faz e inventa pra machucar os outros e a nós mesmos. Sei lá, será que não daria para acender à altura solar e ser mais do que isso que nós temos sido?

domingo, 15 de janeiro de 2017

A derrocada democrata em The Wire- ou o combate ao caos


“Suffering has been stronger than all other teaching, and has taught me to understand what your heart used to be. I have been bent and broken, but - I hope - into a better shape.”
 ― Charles Dickens, Great Expectations

Uma política reacionária se insinua em todos os locais da dita criação artística. Os paradoxos políticos não só apresentam a representação em complexos culturais quanto a própria ideia de um "telespectador comum" contamina ambições criativas dos criadores das séries de televisão (tem-se em mente que o leitor do respectivo ensaio não cai na bobagem de examinar séries de televisão como uma suposta "arte-menor"- termo este que, aliás, não faz sentido algum). David Simon sabia que ele deveria mirar em um história profunda que contivesse, vá lá, sua dose de entretenimento mas sem sacrificar a visceralidade que qualquer obra realista (vale frisar que The Wire também contém um magnífica dimensão trágica) deveria abarcar pela natureza de seu gênero. A liberdade de consumir, a liberdade de se entreter, a liberdade de criticar- ao criar sua obra, Simon saiu deste círculo meramente reprodutivo para representar a essência do problema (e suas inúmeras complexidades). Em uma época de abstrações universais (falsamente reproduzidas) há de se compreender a necessidade urgente de algo que pare de dissimular o real para dialogar abertamente com seu sistema de valores, predominantemente, democrático-capitalistas.

A aliança jornalismo-realismo sempre foi marca primordial de todos os trabalhos anteriores de Simon. Este trabalhou no mundialmente respeitado Baltimore Sun, cobrindo pequenas matérias policiais que foram ganhando seu fascínio. Entusiasta da literatura de Dickens, David Simon se apaixonou pelo modus operandi da cidade de Baltimore e viu ali um potencial para explicitar grandes problemas que assolam a sociedade norte-americana. Declara-se The Wire não como um fraco apontar de dedos, mas sim como a única representação possível dos estados democráticos.

Este contexto violento e que posiciona a crítica social em nuances dicotômicas necessita de uma declaração que irrompa o mero modelo vigente ambíguo e cave na estrutura (socialdemocrata, cristã, ocidental) uma raiz central da qual as subordinações humanas se ramificam. Consequentemente e incumbido duma missão muito maior que o próprio jornal Baltimore Sun, em 1991 Simon foi atrás dessa grande origem e lançou um livro de mais de 600 páginas que viria, também, a se tornar sua primeira série televisiva.

Ir contra a representação ordinária e (quase) literalmente atravessar o "espectador-comum" é um pensamento bem inquietante que Simon deixa evidente em todas suas entrevistas. Ele, no entanto, ficou indiferente ao potencial televisivo (que prioritariamente é entreter) e continuou buscando formas jornalísticas de denunciar todas as nuances democráticas. Porque o papel normativo, mesmo que esboçando uma problemática, ainda assim é reacionário. Foi necessário continuar na literatura e investir noutro livro ,em 1997- desta vez em parceria com o detetive Ed Burns.


"The corner — A year in the life of an inner-city neighbourhood" evidenciou para todo um público a derrota que o sistema "guerra contra as drogas" causa e consolidou uma das maiores manchas da sociedade democrata. Não se trata de relativismo cultural, mas da derrocada intrínseca que um Estado Democrata perversamente situa a certos setores de sua sociedade. Simon dizia aos seus leitores os pontos reais em que a insanidade de outrem bifurca com o caminho da "pessoa comum". A estrutura falida em si, no entanto, não é capaz de entregar nenhuma espécie de verdade. A verdade das coisas deve ser organizada ainda que em uma perspectiva caótica para evidenciar o mundo do desamparo.


II - A consagração do evento esquecido

 "A realidade acontecendo" imageticamente e com um sucesso de público considerável foi atrativo o suficiente para David Simon e Ed Burns reverem respectivas posições sobre a televisão. A contínua imposição do mercado abrira uma brecha para dois homens apaixonados por suas profissões e, principalmente, por relatos que tentem encontrar a condição humana no outro. Nascia uma das primeiras, senão a primeira, série televisa capaz de causar uma ruptura no sistema da verdade e não apenas representar uma estrutura capenga e sim ser a sumária voz do desamparo. "The Wire" traz esta verdade recalcada, "The Wire" é a consagração do evento esquecido.

A autenticidade de "Wire" não se encontra apenas nas inovações narrativas, mas em ressignificar seu lugar (Baltimore) com um discurso emergente. A série é uma militância sobre a verdade, mais do que qualquer barata mediação "arte-espectador". Em um tempo em que "militância" é confundida com idealismo arcaico, há o fator determinante irrecusável de que este mesmo contramilitantismo é outro véu, outro mito. "The Wire" alarga as contradições de policiais, bandidos, governantes, imprensa, entre outros para operar como um potente soco que, novamente, atravesse os milhares de lugares-comuns.

A totalidade planejada por Ed Burns e David Simon precisa cirurgicamente (em formas de temporada, cada temporada tem seu alvo específico sem jamais desistir de abordar a enorme teia de acontecimentos que convergem no evento) o gigantesco painel em derrocada de Baltimore. A militância da verdade em "The Wire" é um processo corrosivo de apagar estigmas falsos para que os bandidos e policiais e crianças de rua e moradores de rua e jornalistas investigativos reportem um desespero humano, ainda que coberto de atitudes aparentemente vazias- por isso a ironia gritante no protagonista da série, Jimmy McNulty- interpretado em estado de graça por " Dominic West ".

A criação artística de ambos idealizadores resiste enquanto mero panfleto e se transforma em militância essencialmente na vasta galeria de personagens afundados na realidade que os cerca e em si mesmos- produtos desta realidade, reféns dessa hostilidade. Não há, então, como não ocorrer um espelhamento do telespectador nesta gama de personagens que apesar de serem supostos mocinhos ou supostos bandidos estão afundados na ilegitimidade da aparência. As posições paradoxais e justamente o choque de respectivos posicionamentos estabelecem a brutal cidade de Baltimore.

Se, atualmente, é de comum acordo que as melhores séries televisivas utilizam de técnicas sumariamente literárias para uma ênfase tanto narrativa quanto dramática, "The Wire" foi um das primeiras séries a usar vastos elementos clássicos para inovar em um drama na televisão. Sabendo que imposturas policiais tornariam a série uma ilusão, Simon deu uma cadência extremamente lenta para uma narrativa policial pois, acima de tudo, "The Wire" é um retrato avassalador tanto de suas personagens quanto de Baltimore. No entanto, é através deste desespero que um movimento autêntico ganha vida. No fim, "The Wire" é sobre uma tentativa de acessar o outro, de ultrapassar o terreno neutro medíocre ao qual o humano está submetido.


III - A luta essencial

No entanto, o uso de Baltimore como plano de fundo e sua imersão constante enquanto cidade-protagonista não irresponsabiliza a corrosão que o próprio humano submete outro semelhante. Ainda assim, a desumanização constante se tornou palavra principal em diálogos secos- não à toa, qualquer morte "importante" na série é mostrada indiretamente. Saber devolver a importância (ou buscá-la, mesmo que erroneamente) de uma vida à palavra parece a missão principal de David Simon.

O que Simon  e Burns quiseram enfatizar é que o idioma está morto em meio aos detritos sociais. Mas se isso ecoa como mito, o eco ainda pode acender algo. Desta maneira, frequentar o mesmo eventos repetidas vezes ao mesmo tempo tem o poder de tirar a empatia de qualquer ser humano, é o único aspecto que pode devolvê-la. É verdade que o acesso parece estar interrompido por instituições que veem o mercado (o de drogas, o político, etc) como máquina de acesso às estruturas que regem vida sem parecer se importar muito com ela.

Talvez, hoje em dia, é necessário uma busca pelo perdido, pela "realidade mística" que o detetive McNulty empreende objetivamente revirando a cidade em busca de uma Justiça que sempre que está perto é arremessada para além dos prédios verticais da cidade pelas instituições, pelo tráfico, pelo poder público- enfim, pelo descaso materializado, calculado, automático. De qualquer forma, é uma luta que Simon e Burns julgam essencial.


IV - A busca perdida

A transmissão de "Wire", a busca pelo que se perdeu no instituído:

Não é fácil transportar o terror diário e cotidiano de Baltimore de maneira trágica, inevitavelmente romantizada para a forma fictícia. Além do mais, é mais difícil ainda empreender qualquer espécie de jornada em um sistema que categoricamente deixa o ser humano com a sensação plena de impotência.

Simon e Burns, com certeza, gostariam de redescobrir a potência do indivíduo enquanto agente ativo no caos social. E eles gostaram de empreender esta busca examinando as complexidades que bloqueiam o acesso ao elemento-humano. Finalmente, eles dizem através de suas personagens: há algo claro e evidente e eu tenho que chegar nisso. Eu tenho que ser o agente transformador e organizar o caos em um sistema entrópico. Nos termos dos criadores, do caos e do desespero reside uma substância essencial que transforma o indivíduo e seu ecossistema social.

O evento nasce quando o humano se dá conta de sua condição e aceita as disparidades como fatores fenomenológicos e, por tanto, transformáveis. O elemento-social não é uma realidade perpétua. Há a indignação, há o frenesi- armas tão afirmativas como o caos. Em outras palavras: a condição caótica pode sempre ser combatida.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Meus discos favoritos de 2016

30Offal

Sutcliffe Jugend

Offal

A tensão maníaca do "Sutcliffe Jugend" inicia logo nos primeiros segundos do vulgar "Offal". Tabus sexuais são contorcidos e extremados à medida que um processo violento de degradação irrompe.



29Soul

Ivo PerelmanMatthew Shipp,

Michael Bisio & Whit Dickey

Soul 

"Perelman" não só é um dos líderes de banda mais ativos no cenário de livre-improviso da música contemporânea como busca constantes reestruturações de diálogos com outras formas de arte. Desta tensão entre tema-objeto-criador nasce uma abstração recorrente em todos seus trabalhos mais recentes. Os instrumentos interagem e, em movimentos contínuos de ascendência/descendência revigoram este diálogo inicial transformando em outra conversa mas que ainda converge no mesmo mito originário. Muitos destes movimentos contraditórios/paralelos são revigorados pelo livre-improviso também como autêntico método de composição estética. O diálogo acústico-improviso então se mostra mutável, assimilando decomposições justamente para evitar sua derradeira morte (ou seja; tornar-se inócuo).


28Zanshin

Lena Circus & Itaru Oki

Zanshin 
A peculiaridade é de criar tensões mesmo dos instantes em que tudo parece estar tranquilizado. Há uma espécie de embate entre representar historicamente a evolução do jazz elétrico e não se repetir ao cair em estratagemas datados. Em parte, é um devaneio entre um suposto débito histórico formativo e liberar, também, a intuição em cortes sonoros. De um modo ou de outro, é um precioso mergulho entre desenvolvimento/intuição.

27Ghartika

Jorma Tapio & Kaski

Ghartika 
Segunda aparição de "Jorma Tapio" nesta lista, "Ghartika" é uma produção ainda mais mitológica que "Matka", embora continue explorando as intersecções entre livre improviso e música tradicional. "Jorma Tapio" é, com certeza, um dos músicos mais prolíficos contemporâneos e um olhar mais atento em sua obra proporciona audições explorativas.


26Amoa Hi

Marco Scarassatti

Ernesto Rodrigues,

Guilherme Rodrigues & 

Nuno Torres

Amoa Hi
"Amoa Hi" é a busca por um tipo de música originária (a indígena) que sumiu na cristalização da produção contemporânea. É essencial ouvir isso.

25On Strange Loops

Mithras

On Strange Loops 
Mais espacial do que nunca (e com a técnica de sempre), o "Mithras" sai de um hiato produtivo de nove anos para não decepcionar. A agressividade do "death metal" é elevada às fronteiras mais extremas e técnicas do gênero. Apesar de tantas abstrações, a fusão entre "bleast-beats", "riffs" e explosões vocálicas estabelecem um movimento de contínuo transe. A temática existencial se aprofunda enquanto a banda reverbera alto, bem alto.

24Life and Other Transient Storms

Life and Other Transient Storms

Life and Other Transient 
Storms 
A trompetista  Susana Santos Silva se une a um consagrado time da música explorativa para dar um belíssimo testemunho de sua concepção do que é a vida.

23Alien Flower Sutra

Rob Mazurek & Emmett Kelly

Alien Flower Sutra
Ao invés de uma dicotomia entre humanidade e cybercriação, como o próprio Kelly canta (“We Are One”), é necessária uma tentativa de unidade; algo ainda impensado, que personifique uma nova compreensão sobre o que o progresso pode passar a ser. É uma entrega ao indeterminado.


22Now

Pierre Favre DrumSights

Now 
"Pierre Favre" admitiu que a decisão de gravar este disco partiu apenas de si mesmo e não de qualquer necessidade alheia. E "Now" soa como um passo a frente de todos os outros projetos que ele liderava. Explica-se:são batidas que buscam algo novo na música e, consequentemente, um novo elemento comunicativo.

21Shrines of Paralysis

Ulcerate

Shrines of Paralysis 
A atmosfera "filosófica" do "Ulcerate" retorna da mesma maneira progressiva em "Shrines of Paralysis". Múltiplas mecânicas fundem-sem em um complexo plano sonoro. A densidade acumula uma gama de referências- mais explicitamente: "death" metal, black metal e "doom" metal. A impecável técnica e o estilo narrativo de decomposição apontam direções que ultrapassam a nomeação, apenas, de música extrema. O caos é representado multifilamentosamente e nos cruzamentos possíveis entre as nuances de luz num vasto terreno obscuro. É como se o peso inerente ao som caísse em certo padrão e como se a própria maneira de pensar dos integrantes atravessassem a instituição por eles mesmo criada.

20Мы - огромное животное, и мы вас всех съедим!

Самое большое простое число

Мы - огромное животное, 
и мы вас всех съедим! 
Essa é uma parada muito estranha e divertida que me faz dançar toda vez de tão cativante que é. Não sei mais o que dizer.

19Twisted Strangers

Curse ov Dialect

Twisted Strangers
Os tipos de "beats" misturados em "Twisted Strangers" nos faz lembrar de como certa dose revisionista pode revigorar um modelo contemporâneo de se fazer música. Elementos que, à priori, tem certo distanciamento uns dos outros fundem-se no "hip-hop" do grupo para se fazer uns dos álbuns mais inovativos do gênero no ano.


18Risc

Full Blast

Risc 

É muito difícil precisar necessariamente o que faz um som ser subversivo mas a bem da verdade é inevitável classificar assim, ainda que superficialmente, toda a obra do incansável "Brötzmann". A catarse sempre como elemento de anti-clímax interage com a imaginação do ouvinte materializando sonoramente, mais ou menos, a fantasia do contato músico-instrumento-som-ouvinte. Porque esta interação traz consigo um elemento mitológico, histórico e subjetivo. A subversividade aponta uma quebra do paradigma deste triangulo. A absorção nasce da desarticulação de elementos estáticos e tradicionais. Sons desaparecem, melodias são retomadas- enquanto na movimentação subversiva "Brötzmann" lidera o ouvinte a um terreno em que só a destituição é possível.

173001: A Laced Odyssey

Flatbush Zombies

3001: A Laced Odyssey 
Ouvir "3001: A Laced Odyssey" dá uma sensação constante de estar sob efeito de "algo"- a batida abstrata, as tensões psicodélicas e uma linha indivisível entre a pontuação temporal possibilitam esta espécie de "paranoia". É uma odisseia urbana entre quem está preso sensorialmente em si mesmo ao testemunhar a realidade objetiva.

16Breaking Point

Ivo PerelmanMat Maneri

Joe Morris & Gerald Cleaver

Breaking Point
As otimizações expansivas de sensações dúbias são, definitivamente, o triunfo da jornada desgastante que é "Breaking Point"- um ponto em que celebrar não é uma disposição, pois sempre há o prenúncio de algo.

15The Healing Component

Mick Jenkins

The Healing Component
"The Healing Component" tem uma força compelativa em abstrair insinuações de uma realidade objetiva em forças oniscientes. "Mick Jenkins" relata um mundo afundado em violência para extrair forças respiratórias. O social e a força de subverter suas forças opressivas caminham muito próximos. O componente da destruição tem a mesma matéria-prima do componente que cura.


14Kill

Solmania

Kill 
Uma peça única de ruídos extremos e exaustivos que se sobrepõem ininterruptamente e são prolongados à medida que o ouvinte fica hipnotizado com o plano criado pela dupla japonesa.

13Strength & Power

Roswell RuddJamie Saft

Trevor Dunn & Balázs Pándi

Strength & Power
Um disco que tá nitidamente cagando para as apreensões que ele mesmo ameaça buscar no começo tinha tudo para dar errado. Não deu. Se há, até, uma proposta no início de "Strength & Power", ela é nitidamente trocada pelo senso que guia os músicos. Sem apontamentos, fica mais difícil criar algo mas também há a sensação de que cada movimento é originário e, portanto, ainda não-contaminado. Além dos limites de possibilidades pré-datadas, intuir significa criar repetidamente algo novo.

12Matka

Tapio & Tuomi Duo

Matka 
Um dos álbuns mais negligenciados no ano, inclusive pela "crítica especializada", "Matka" é a reunião de duas ancestralidades que entram em dissonância ao se encontraram mas sem, por isso, deixar de encontrar elementos de união e intuição.

11Jumalten aika

Moonsorrow

Jumalten aika
O paganismo do "Moonsorrow" converge mais uma vez em um épico sonoro. Desta vez a influência folclórica está ainda mais presente, na utilização de símbolos mitológicos para subverter o domínio cristão. Subversão essa que sempre parece ser o conceito principal da banda. Toda essa atmosfera mística é invocada pela utilização de instrumentos tradicionais e também do auxílio mais do que presente do metal para radicalizar a proposta.


101

Tekti Kevlar

1
Dos tantos trabalhos lançados pelo "Tekti Kevlar", esta "compilação de trabalhos aleatórios" é o meu favorito. As  três peças são flagras de três momentos diferentes de composição e há uma estranha incomunicabilidade entre elas. Incomunicação talvez porque "Tekti Kevlar" é um projeto que cristaliza dissonâncias com texturas explicitamente diferentes (até em sentido estético). O trabalho de "Tekti Kevlar" aposta nestas diferentes evocações para se dar conta de algo inalienável.


9Signals

LOK 03+1

Signals 

As estrelas da capa sugerem algo baseado na ficção científica e realmente o disco trata da relação sonora do espaço. A narrativa caótica trata de instrumentos (percussão, etc) que desestabilizam o próprio fluxo para recondicionar o ritmo. As texturas se repetem,se encontram, se desestruturam em seções de livre-improviso. 71 minutos que não são propriamente desafiadores para o ouvinte porque do próprio desafio-interativo entre os músicos tem-se uma bela sessão combinando composição e intuição.

8Beautiful Lies

Peter Brötzmann & ICI Ensemble

Beautiful Lies 
As interações deste disco é como se toda a catarse formada evidenciasse um "insight" por improvisação. São ondas sonoras individuais que se juntam neste vasto mar bagunçado que é o álbum. Enquanto vários micro fragmentos melódicos são detectados na cacofonia, também é possível notar diálogos interessantes entre os instrumentos.

7Terminal Redux

Vektor

Terminal Redux 
O "Vektor" sempre esboçava fazer algo inteiramente conceitual com base na ficção científica e é lógico que "Terminal Redux" foi o a conclusão óbvia disso. Muito influenciado pela onda técnica do metal nos anos 80, o maior mérito do disco é, em sua vasta duração, não soar repetitivo e sempre surpreender o ouvinte. Ainda mais complexo que seus antecessores, "Terminal Redux" é um passo a frente em um gênero que surpreendentemente não tem se estagnado. O que reflete em múltiplos universos em uma narrativa futurista. No entanto não é apenas uma narração bobinha ou simplista, ela é surpreendente e torna necessária a consulta às letras várias vezes. O álbum conceitual liberta o Vektor das expressões derivativas (embora raras) que se podia encontrar nos trabalhos anteriores. As ideias densas e desenvolvidas sem pressão solidificam esta impressão. Um épico criativo. Sem perder o peso.

6Remolinos

Shamanika

Remolinos 
A atmosfera criada pelo conjunto aborda um elemento estranho com algumas frestas em que a interação é mais convidativa- embora sempre imprevisível. Que a imprevisibilidade reine não é nada de novo, se trata de livre-improviso, mas as sessões desconexas realmente tomam a subjetividade do ouvinte. A repetição de procedimentos e barulhos "estranhos" tornam todo o livre-improviso também num processo de livre-hipnose.

5Melt

Chippendale - Gustafsson - Pupillo

Melt 
A fúria caótica que a primeira peça imputa aos 7:00 minutos é uma pequena demonstração da agressividade que nasce na interação entre os três músicos. A energia que os vocais de Chippendale trazem é como um autenticação menos agressiva (embora ainda assim ensandecida) da enunciação potente do trio. Gustafsson, como sempre, surge com o peso do sopro em seu saxofone oferecendo outra rota deslumbrante num caminho já rico em alternativas. É uma engrenagem de ruído que não cessa em surpreender.

4Rimming Compilation: Liquid Sky

Cadu Tenório

Rimming Compilation
Quando ao final destes dois álbuns estamos novamente em um ambiente mais calmo, percebe-se o tanto de paradoxos que Cadu Tenório estabeleceu em todo o trabalho. Estamos, no fim das contas, em um espaço confinado. Tenório sabe dos limites artísticos. O que não invalida absolutamente nenhuma experiência nesses discos – é um dos atravessamentos mais poderosos erigidos na música contemporânea.

3

Lost Salt Blood Purges

Only the Youngest 
Grave 
Mais de cem minutos em um ambiente sombrio, nebuloso. A prolongação do tempo e a ambientação desolada evoca nostalgia e solidão. Como se as impressões de sonho se confundissem com a visão de realidade e nesta junção resultasse em uma longa caminhada em uma cidade esquecida. Os cânticos nativos, a profusão de ruídos - os elementos de "Only the Youngest Grave" perpetuam uma estação híbrida e a-dimensionável. Como a abominável capa, o ente se encontra numa caminhada rumo ao oculto, ao inexplicável.

2Gensho

Boris With Merzbow

Gensho
"Gensho" ser um dos trabalhos mais pesados tanto do "Boris" quanto do "Merzbow" já diz MUITA coisa. É como se o próprio peso aderisse uma carga "atmosférica" e sua continuidade cada vez mais tenebrosa destituísse tudo o que é humano. Não é como se a obscuridade do disco fosse essencialmente densa, mas como se o próprio "ente obscuro" se deformasse ainda mais frente ao ouvinte.Trata-se de viver a música enquanto fenômeno. A repetição e a distorção da repetição da repetição alçam o ouvinte à uma experiência incomum. Experimenta-se a maldade enquanto elemento fundador do fenômeno.

1Long Ambients 1: Calm. Sleep.

Moby

Long Ambients 1: Calm. 
Sleep

"Long Ambients 1: Calm. Sleep." tem um efeito nitidamente tranquilizador no ouvinte. Embora sempre com uma influência melancólica, todo o trabalho do "Moby" quase sempre adotou uma comédia que é dispensada neste lançamento. A capa já evidencia o que você vai encontrar; um clima noturno desde os primeiros minutos que você ouve o álbum. Com aparições instrumentais e uso predominante de sintetizadores, "Moby" - como todo bom artista- cria o seu tempo usurpado. Esta atmosfera de diluição contínua prende o ouvinte em um campo meditativo capaz de atribuir outra significância imagética.