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sábado, 24 de março de 2018

quarto quente

Eu não conseguia mais acessar os significados dos textos que eu escrevia, eu lia-os e questionava-me, "sobre o que mesmo são todas essas coisas?". Questionava se eram literais ou metafóricos, não lembrava os dias, não lembrava a cor da paisagem ao fundo e nem as cores dos olhos das pessoas que passaram. Elas são como uma fila inacessível e eu misturo todas elas e deixo as qualidades no modo aleatório como se apenas houvesse minhas interpretações diluindo qualquer individualidade alheia. As palavras, rígidas e estancadas num branco perpétuo, estagnavam qualquer fluxo de significado ou memória para um imediato presente-emergente tão frágil quanto curto. Eu fiquei bravo com tudo aquilo e meu cérebro agitado ordenou que minha mão socasse as paredes do meu quarto. Eu soquei e soquei. As partes inferiores dos meus dedos sangravam e as lágrimas que caíram, com certeza, foram uma reação à dor e não ao que acontecia. E não entendia o que acontecia e de qual origem surgia aquele desespero somado à incompreensão. Talvez eu tivesse bebido demais e a gente nunca consegue evocar significados precisos quando se está muito bêbado, eu lembro que deitei na cama e enrolei-me com edredom num calor desgraçado tendo a certeza de que vultos rodeavam-me. Convenci-me de que havia lábios para beijar-me e corpo para eu tatear quando aquela alucinação toda terminasse, como se eu passasse pelo Vale Da Morte e encontrasse afeto materializado do outro lado através de olhos bem intencionados. Mas a esperança evaporou quando a sobriedade chegou e eu descobri que não havia nada a não ser um quarto quente.

Portrait Painting - Merge by Michael Lang

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